A dificuldade de parar a máquina russa

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    O intuito deste artigo, é avaliar alguns dados econômicos e financeiros da Rússia, após a Guerra da Ucrânia e a dificuldade de impactar no curto prazo a máquina russa. O curioso é que se pensarmos que o país está participando de uma guerra e sofrendo sanções do mundo ocidental, faria sentido crer que a situação está muito pior nos principais indicadores. Mas a verdade, é um pouco diferente disto. 

    Como pano de fundo, alguns dados e comentários sobre a Rússia. O país figura como a 11ª economia do mundo (dados de 2021, FMI), com vastos recursos naturais e consequentemente um dos principais produtores de commodities do mundo, sendo relevante principalmente em petróleo e gás natural. No último, é o primeiro em volume de exportações global (FMI). Dito isto, o mundo, e principalmente a Europa, desenvolveu durante bom tempo uma dependência russa. O Brasil por exemplo, importa a maior parte dos fertilizantes do país de Putin (segundo o MDIC). Isto levanta um questionamento... O governo brasileiro deveria de fato levantar a bandeira que a Rússia está errada em invadir a Ucrânia? A reposta moral me parece clara, mas o mundo do comércio não funciona assim. Me pergunto, se ficarmos sem fertilizantes, e por consequência reduzirmos nossas safras que alimentam o mundo, seria mais danoso que a guerra na ucrânia? Difícil responder.

        Ao avaliarmos os movimentos dos mercados financeiros, vimos em um primeiro momento uma forte depreciação da moeda russa e em seguida uma apreciação, fruto do controle de capitais implantado. Hoje, os valores estão bem próximos do pré-guerra. A bolsa de valores russa ainda se encontra depreciada, mas mostrou aumento expressivo recentemente e valores próximos ao pré-pandemia. Ou seja, sem grandes alterações em ambos os indicadores.

Choque da guerra trouxe forte depreciação da moeda (seguido de apreciação) e queda no índice de ações russo


Fonte: Bloomberg

    O mercado internacional é o que mais chama atenção ao avaliarmos os dados. A economia russa, altamente dependente de sua balança comercial sentiu de maneira sutil o efeito das sanções ocidentais no que tange seu comércio de commodities. Segundo o site Russia Fossil Tracker, a Rússia recebeu cerca de 373 bilhões de euros em vendas de produtos energéticos desde o início da guerra. Por outro lado, é verdade sim, que as importações de petróleo russo pela UE diminuíram significativamente, mas outros países aumentaram sua participação no mercado russo, como China e Índia. O mais engraçado em tudo , é que mesmo sancionando a Rússia, EUA e UE seguem consumindo o óleo ou produtos russos indiretamente.

Mesmo com sanções, exportações de petróleo russo ganham tração em 2023 (média móvel de 4 semanas)


Fonte: Bloomberg, CREA, Bruegel

Queda acentuada da exportação para UE foi compensado pelo aumento da demanda de China e Índia


Fonte: Bloomberg, CREA, Bruegel

    Segundo a Kpler, aumentou cerca de 12 - 16% a importação de diesel pela UE proveniente da Índia. E segundo a Bloomberg, o país asiático importou cerca de 60 vezes mais petróleo russo ao longo de 2022 (comparado à 2021), aproveitando preços mais baratos, refinando, e vendendo posteriormente para Europa e até mesmo para os EUA. A famosa beleza do capitalismo. De maneira análoga temos o Brasil, altamente dependente dos fertilizantes russos, que exporta milho e soja para países da Europa. Isto só mostra a dificuldade de isolar uma potência mundial do comércio internacional, que infelizmente usa os efeitos positivos de sua balança comercial para comprar mísseis e tanques de guerra.

    Importante pontuar que isto é longe de ser novidade. No livro "The World for Sale: Money, Power and The Traders Who Barter the Earth's resources", uma história sobre a evolução do trading de commodities, mostra que desde sempre o trading de produtos é feito de maneira amoral e questionável, e o mundo está sempre conectado. Na época da segunda guerra, a Alemanha recebia diesel soviético sem saber; durante a guerra na Síria, tradings americanas compravam o petróleo e entregavam diesel para as tropas contra Bashar al-Assad, ganhando dinheiro e fomentando uma guerra; e o famoso Marc Rich, acusado de muitos crimes financeiros, violou todos os embargos possíveis levantados pelos EUA (haha) ao vender petróleo para Cuba e entregar petróleo do Irã para os norte americanos.

    Seguindo na análise russa, ao observarmos os valores para o PIB, aí que a discussão fica mais interessante. No início da guerra, O FMI indicava uma queda de 8,5% para o PIB russo este ano, mas ao final, reportou uma estimativa de queda de 2,1%. O serviço de estatísticas russo também divulgou número semelhante. Claro, é razoável questionar a veracidade dos dados, mas por outro lado não me surpreende o baixo número. Naturalmente o gasto com a indústria militar e com medidas fiscais deve estar altíssimo, e portanto, pode trazer este número para cima (mesmo que momentâneo). Além disso, como vimos anteriormente, o volume de exportações segue em níveis pré-guerra, auxiliando a economia do país. No noticiário econômico, dois lados hoje discutem. Um primeiro alega que ainda não deu tempo das sanções agirem e outro lado, que as sanções não funcionam. O que não podemos negar, é que os efeitos parecem mais leves do que realmente esperávamos ao isolar a Rússia de boa parte do mundo ocidental. 

    Todo o exposto aqui, mostra como é difícil no curto prazo estrangular economicamente um país como a Rússia, de forma à reduzir seu poderio militar. É verdade que, o país sofrerá com a falta de produtos (até que sejam produzidos internamente), inflação elevada, dívida pública e alto déficit. Entretanto, o que nos sugere até o momento, é que pode demorar mais do que o esperado o declínio do império de Putin. 

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Fontes - Petróleo


Fontes - Economia Russa

    
     

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