O Fantasma da Inflação no Brasil

 


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Muito se discute hoje sobre a inflação e os juros altos no Brasil. Uma guerra às claras entre o presidente Lula e Roberto Campos Neto toma os noticiários quase que semanalmente. Setores da economia ligados ao consumo defendem os juros baixos, enquanto alguns economistas aplaudem o trabalho feito em conter a inflação. Como diria Milton Friedman, “A inflação é a taxação sem legislação” e poucos conseguem perceber o quão danoso são os aumentos de preços para boa parte da população, que pouco tem acesso a mecanismos de proteção de seu poder de compra. Keynes também subestimou um pouco a inflação, mas ele não viveu no Brasil.

O tema na verdade, é global. O mundo desenvolvido hoje passa por algo que nunca passou, desafiando os livros de economia. Estados Unidos, depois de afirmar inúmeras vezes que a inflação era transitória, agora passa por uma situação atípica em seu passado recente, uma inflação persistente, com juros altos (para o padrão americano) e um mercado de trabalho ainda forte. É verdade que os países europeus já passaram por algo assim no passado, mas em eventos específicos. As inúmeras guerras, marcaram países da Europa, como Alemanha e Itália, em subidas consideráveis de preços. Isto fruto de uma destruição de capital físico e humano, e uma consequente falta de oferta.

Nós canarinhos possuímos histórico complicado com a inflação, só não pior que los hermanos. Até o plano real, a situação era bem conturbada, com a população convivendo com dois dígitos mensalmente. Mas mesmo após o plano mais bem sucedido de nossa história, vimos a inflação retornar a patamares acima de 10% a.a. em três oportunidades. E por que o Brasil gosta tanto de um aumento de preços?

Inflação (a.a) no Brasil, Estados Unidos e Zona do Euro - 1980 à 1994

                                 

Fonte: IBGE, Centro de Estatísticas dos EUA e UE

Inflação (a.a) no Brasil, Estados Unidos e Zona do Euro - 1995 à 2022


Fonte: IBGE, Centro de Estatísticas dos EUA e UE

Câmbio

Podemos começar falando do câmbio. Comercialmente falando, somos uma das economias mais fechadas do mundo. Tarifas de importação abusivas e barreiras de entrada, herança da famosa política desenvolvimentista, trouxeram um parque industrial decadente, ocioso e dependente de subsídios. Marcos Lisboa, um dos melhores economistas do Brasil em minha opinião, destaca bem em vídeo às montadoras o assunto (link no final do artigo). Alega que o problema do setor automobilístico é ele mesmo (e o governo), pedindo benefícios mês após mês (e o governo aceitando), sem elevar sua produtividade. Tal fato, traz uma dependência alta de produtos importados, sendo assim impactados pelo dólar.

Mapa de Abertura Comercial – Heritage Index


Fonte: Index of Economic Freedom (heritage.org)

Além disso, a alta volatilidade do Real, uma das consequências de nossa economia fechada e governos questionáveis, induz os vendedores de produtos dentro do país à se resguardarem com margens maiores. Um dos fatores que explicam a expectativa de inflação ser mais importante do que a inflação corrente. Do lado exportador, também temos um outro canal de transmissão. O fato de sermos o alimento do mundo, sendo referência de fornecimento de soja, milho e carne, nos traz uma indexação dos preços internos aos preços internacionais. Ou seja, forte depreciação de nosso câmbio, novamente nos traz uma situação ingrata nos preços.

Produtividade e Mercado de Trabalho

O mercado de trabalho, pode ser outro canal de inflação. Na microeconomia, deveríamos equilibrar uma economia tendo a produtividade marginal do trabalhador igual seu salário. Mesmo sendo um raciocínio simplista, se imaginarmos que a produção é menor do que a disponibilidade de dinheiro para compra de um determinado produto, natural que os preços subam. O mercado de carros viveu uma situação análoga ao final da pandemia. A produtividade despencou, fruto de uma crise de insumos, mas a demanda não. Resultado? Preços em alta e falta de estoques. Agora, vivemos o oposto, preços se normalizando com a volta de estoques e baixa demanda com os juros altos.

Ao redor de 2014, um estudo do Banco Central apontou este problema. Estimando a chamada NAIRU, taxa de desemprego neutra que não acelera a inflação, apontou para uma situação na qual tínhamos uma taxa de desemprego muito baixa vs a taxa neutra. Ou seja, um componente inflacionário. Exemplos de medidas que forçam um custo do trabalho mais alto vs a produtividade, podemos citar a CLT (arcaica) e a desoneração da folha que nada mais é do que forçar novas contratações, reduzindo a produtividade.

Produtividade: US$/horas trabalhadas

Além de quase 10 anos sem que a produtividade brasileira cresça, estamos atrás de países como Chile e Argentina.

Fonte: Penn World Table

Produtividade (US$/hora) vs horas trabalhadas em 1 ano - 2019


Fonte: Penn World Table

Preços Administrados

Os chamados preços administrados também são um canal de inflação. Gasolina, gás e energia elétrica dispararam após a pandemia e guerra na Ucrânia. Gasolina e gás, fruto de repasses de preços globais (crise de oferta) e câmbio, e energia, consequência da crise hídrica (e má gestão). Vimos a gasolina dobrar nos postos e uma nova bandeira tarifária ser criada. Hoje, a situação está mais controlada, preços do petróleo em queda e fomos salvos por São Pedro no que tange a energia elétrica. O que devemos agradecer todos os dias é o fato de nenhum brilhante economista ter defendido um controle de preços ao longo da pandemia, senão os efeitos seriam ainda mais catastróficos para a expectativa futura de inflação e juros.

E o que esperarmos para frente?

Os economistas tiveram uma enorme dificuldade em prever a onda de inflação pós-pandemia e agora sofrem em saber o caminho dos juros. É verdade que subir os juros demasiado em uma crise oferta, talvez não tenha tanto impacto, mas conter a segunda derivada (inflação de demanda) sim e isso nosso presidente Lula tem dificuldade em entender. Explicando melhor, uma primeira crise de oferta pode sim desencadear uma crise de demanda, isto por conta do canal de expectativas inflacionárias. Em um raciocínio simplista, se eu acho que um produto valerá mais amanhã, eu compro hoje, e isto gera mais demanda, e os preços sobem. Isto só mostra, como a economia é mais conectada do que muitos imaginam. Um CRA emitido, gera empregos em algum lugar no Brasil e um congelamento de preços, gera consequências catastróficas por anos a frente. Vejo hoje que esquecemos boa parte das burradas da nova matriz econômica do querido Mantega e sua fiel escudeira Dilma.

O Banco Central hoje se encontra com um dilema. É verdade que a inflação arrefeceu, mas alguns importantes núcleos ainda não. Além disso, os problemas estruturais brasileiros não são prioridade alguma deste governo, como resolver a questão da produtividade ou garantir um ambiente institucional estável. Pelo contrário, o foco é ter o estado mais inchado do que nunca, subsídios e protecionismo. Gastos públicos seguirão em alta e o novo arcabouço fiscal apresentado (melhor que o esperado) não trouxe muita confiança ao presidente do BC. Com todo esse panorama, vimos um Banco Central ainda duro no último anúncio e não vejo como ser diferente. Ao meu ver, a redução de juros será gradual e muito bem monitorada com dados. Algo que muitos não entendem é que de nada adianta baixarmos os juros às pressas, se não afetar a curva de longo prazo. Uma redução precipitada pode significar uma curva de juros futura mais alta, pelo medo de retorno da inflação ou cenário fiscal deteriorado, como ocorrido com Tombini. Mas claro, isto é só mais um ponto que nosso governo não entende.

Keynes

What Is Keynesian Economics? - Back to Basics - Finance & Development, September 2014 (imf.org)

NAIRU

Duração da desocupação e inflação (bcb.gov.br)

Marcos Lisboa sobre as montadoras

Marcos Lisboa explica baixa produtividade no Brasil e critica protecionismo - YouTube

Inflação e Guerra

Inflation in the aftermath of wars and pandemics | CEPR

Índice de abertura comercial

Index of Economic Freedom (heritage.org)

Produtividade

Baixa produtividade do trabalho pressiona a inflação, diz estudo | Brasil | Valor Econômico (globo.com)

produtividade_no_brasil_miolo_cap06.pdf (ipea.gov.br)

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