Economia do Crime e a Teoria das Janelas Quebradas
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Em primeiro lugar, trabalhar com números de crime pode ser bem problemático. Nem sempre as bases são confiáveis e a subnotificação é alta. Se observamos os dados de estupro por exemplo, a partir de 2010 existe um salto nos números de estupro na cidade de São Paulo. É razoável supor que algo aconteceu nesta data? Acredito que não. Ele apenas não era notificado. Além disso, estabelecer relações de causa e efeito também são complicadas. Se pensarmos em um determinado bairro, será que maior criminalidade, causa um reflexo em uma menor renda familiar, ou menor renda familiar de um bairro, que gera maior criminalidade? É possível discutir por horas, sem uma determinada conclusão. Por isso, uma correlação deve ser bem interpretada, dado que pode não indicar uma relação de causa e efeito.
Números de estupros na cidade de São Paulo, segundo a Secretaria de Segurança Pública – É difícil precisar o ocorrido a partir de 2010, mas é razoável supor uma alta subnotificação antes disto.
Fonte: SSPEm 1968, temos o pontapé inicial das relações entre economia e crime. Vencedor do prêmio nobel Gary Becker, trouxe um modelo econômico para a criminalidade, e mostra que assim como qualquer outro mercado, existe uma oferta e uma demanda por crimes. A oferta parte do benefício e custo de um crime para um indivíduo, que pondera o que é melhor para ele. Becker ainda aponta que a probabilidade de ser punido é o principal fator de impedimento de novos delitos, até mais relevante do que a gravidade da punição. O problema disto? É caro para o poder público. Poderíamos reduzir a zero os delitos, mas teríamos que gastar com policiais em todas as esquinas. Ou seja, existe um valor ótimo para crimes, ou melhor dizendo, um pouco de crime é benéfico. Como analogia, também temos um cenário ótimo para o desemprego. Sim, é bom ter pessoas desempregadas e os Bancos Centrais se baseiam nisto para não criar cenários inflacionários. Parece um pouco estranho termos níveis ótimos para coisas ruins, mas é importante lembrar que tudo tem um pró e um contra e por isso a economia é chamada de ciência da tristeza por muitos.
“The certainty of a small punishment will make a stronger impression, than the fear of one more severe, if attended with the hopes of escaping” (Beccaria, 2006 [1764]: 25)
Outros autores seguiram estudando o tema do crime dentro da Economia se baseando na escolha racional para se cometer um crime. Ehrlich em 1976, utilizando de dados dos Estados Unidos, encontrou alguns resultados interessantes. Assim como em Becker, todos os tipos de crime responderam de maneira forte à probabilidade de punição, o que pode nos explicar a situação que vivemos no Brasil. Em 2022, o Instituto Sou da Paz apontou para apenas 37% dos crimes de assassinato sendo esclarecidos, enquanto a média global aponta para 63% (72 países estudados). Adicionalmente, a Jovem Pan apurou que de Janeiro à Outubro de 2018, apenas 3,6% dos roubos foram esclarecidos no Estado de São Paulo. A teoria econômica parece se unir à prática, explicando parte de nosso alto nível de criminalidade.
E como resolver esta situação? Poderíamos colocar policiais em cada esquina para reduzir os crimes, mas isto custa caro e teria que ser em cada esquina literalmente. Estudo realizado em Buenos Aires, após ataques contra sinagogas, onde policiais passaram a permanecer após os atentados, apontou para uma eficácia policial à apenas 2 quadras de onde estavam. Ou seja, se você está à 4 quadras de uma delegacia, não pense que seu carro está protegido ao parar na rua.
O que podemos fazer?
Nos anos 1990, a polícia de Nova York implantou a política de tolerância zero na cidade. Ele se baseou na Teoria das Janelas Quebradas, que eu particularmente acho muito interessante. A teoria diz que se um prédio tiver uma janela quebrada, em cerca de poucas horas uma próxima janela será quebrada, e depois de algum tempo o prédio será invadido. De maneira análoga, em um experimento real, um carro foi colocado em um bairro pobre e um mesmo carro em um bairro rico de Nova Iorque. Em questão de minutos, o carro no bairro pobre foi vandalizado. Em seguida, foi quebrada uma das janelas do carro que estava no bairro rico, e ele também foi vandalizado em questão de horas. A ideia por trás é que a desordem leva à criminalidade. Ou seja, bairros onde temos bêbados nas ruas, prostitutas e usuários drogas (o que podemos caracterizar por desordem), levariam à uma situação propícia à outros crimes, como assassinatos e roubos. Basicamente, a oportunidade faz o ladrão.
À época, a polícia de Nova Iorque passou a atacar os crimes menores, que antes deixavam para trás, ou seja, a desordem. Passaram a evitar o vandalismo, pichação, bêbados e drogados nas ruas. O centro de São Paulo pode ser um exemplo disso. Quando a polícia muda os acampamentos da Cracolândia de lugar, carrega consigo uma série de outros crimes, que muitas vezes não são praticados pelos próprios viciados. Deixar os pancadões continuarem, também pode ser um exemplo. Gera tráfico de drogas e impulsiona roubos, como de motos de luxo. No fim, a conclusão é que a desordem gera um pano de fundo propício à outros crimes mais severos. Alguns economistas refutam a ideia das Janelas Quebradas, e inclusive dizem que outras razões levaram à queda de criminalidade de Nova Iorque. De qualquer forma, é de se orgulhar um prefeito pensar em uma teoria econômica/psicológica para combater o crime. Gostaria que nossos governantes também fizessem isso.
Segundo a Abrablin, produção de carros blindados dispara no Brasil e atingimos a maior frota mundial
Fonte: Abrablin
Independente desta relação ser verdade ou não (de desordem gerar crime), a desordem pode gerar gatilhos nas pessoas, como a sensação de insegurança. Segundo a Abrablin, o Brasil é o país que mais blinda carros no mundo atualmente, com o Estado de São Paulo no top 1. Ao mesmo tempo, o Estado de São Paulo aparece em primeiro lugar no ranking de número de assassinatos no país (mais seguro), é a região mais rica do país e os números de latrocínio são muito baixos em relação ao total de roubos praticados. Levanto aqui o questionamento se isso não seria o efeito da desordem ou crimes menores? Da sensação de insegurança ao andar em um local cheio de lixo ou pichações? É difícil precificar a vida, mas se fizermos o cálculo da probabilidade de sermos assassinados vs. Comprarmos um carro blindado, a conta não deve fechar. Mesmo assim, se compra. Em 1970, buscando reduzir a desordem, a cidade de Newark nos Estados Unidos, decidiu ampliar as rondas policiais a pé, ao invés de carros. Os policiais passaram à atuar em crimes menores, como evitar confusões, brigas em bares, bêbados nas ruas. O resultado? Aumento da sensação de segurança pelos habitantes e da qualidade de vida.
Taxa de Homicídios a cada 100.000 habitantes - Queda dos homicídios em São Paulo é atribuída por alguns autores ao controle do PCC após o início dos anos 2000 (esta foi minha dissertação de Mestrado inclusive)
Fonte: Atlas da violência 2019
O intuito deste texto foi trazer uma visão econômica para o crime com base na probabilidade de punição, destacando ao final a Teoria das Janelas Quebradas, culminando em políticas públicas de combate ao crime via redução da desordem. É possível notar o quanto a teoria se alinha à prática, se aplicando inclusive ao nosso país. Vivemos uma constante desordem no Brasil e uma baixa probabilidade de punição. Aqui, temos lei que pega e lei que não pega. Deixamos claro que o crime compensa em todas as esferas, seja em Brasília ou nas ruas. O bandido no Brasil pensa todo dia, eu não vou ser pego.
Gary Becker - Artigos
Crime and Punishment: An Economic
Approach on JSTOR
Ehrlich - Artigos
The Deterrent Effect of Capital
Punishment: Ehrlich and His Critics on JSTOR
Crime, Punishment, and the Market
for Offenses (usp.br)
Teoria das Janelas Quebradas
Política de Tolerância Zero - EUA
Broken Windows Theory of Criminology
(simplypsychology.org)
Broken windows theory | Description &
Results | Britannica
Esclarecimento de crimes no Estado de São Paulo
Polícia
só esclarece 4% dos crimes no estado de São Paulo em 2018 | Jovem Pan
Apenas
2% dos roubos em São Paulo são esclarecidos, diz secretário | Agência Brasil
(ebc.com.br)
Taxa de impunidade no Brasil
Sou
da Paz - CONTROLE DE HOMICÍDIOS
Estudo em Buenos Aires sobre efeito policial no crime
Números do Estado de São Paulo
Números de Homicídios nos Estados
5141-atlasdaviolencia2021completo.pdf
(ipea.gov.br)
Estudo realizado em Newark
The Problem with "Broken
Windows" Policing | FRONTLINE (pbs.org)
Números de Blindados
Procura
por blindagem de carro cresce 45% em 2021 (webmotors.com.br)
Brasil,
o país com o maior número de carros blindados - Live (apto.vc)
Abrablin | Associação
Brasileira de Blindagem
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