Efeito PCC: São Paulo, a Capital mais Segura do País?
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Este artigo tem como base minha dissertação de mestrado sobre o efeito do PCC na criminalidade em São Paulo. Existem evidências de que a facção criminosa tenha influenciado na redução dos homicídios na cidade e estado, conferindo à capital paulista o status de capital mais segura do país. Após relatos qualitativos de historiadores e sociólogos, economistas passaram a estudar o tema, de forma à buscar entender se existiu uma relação causal entre a dominância do PCC nas periferias e a queda dos homicídios. Lembro que, a história de organizações criminosas ocuparem o local que deveria ser do Estado (e regulando o crime) não é novidade, tendo ocorrido em diversos locais do mundo, como na Itália, com a famosa Máfia Cosa Nostra, que fornecia serviços de segurança aos moradores locais.
Evolução das taxas homicídios a cada 100.000 habitantes
diferem entre as capitais do país - Uma das causas seria o crime “mais ou menos organizado” em cada uma das regiões
Fonte: Atlas da Violência
Um pouco de história
O Primeiro Comando da Capital nasceu em 31 de Agosto de
1993, formado por 8 detentos na Casa de Custódia de Taubaté. A insatisfação com
as condições das prisões, com a sociedade no geral e a necessidade de uma
liderança única dentro do sistema prisional, foram os principais fatores para
sua fundação. Alguns apontam também para um reflexo do massacre do Carandiru,
no qual faltou uma liderança única para evitar (tentar) que a chacina
acontecesse. Como consequência da atuação da facção, é apontada a abolição do
estupro e crack, de forma à trazer um ambiente mais harmonioso no sistema
prisional.
Marcola, apontado como atual líder da facção, não foi um dos
seus fundadores e aparece apenas em 2001 após as primeiras grandes rebeliões
vistas no Estado de São Paulo. Além de alterar o lema para “Paz, Justiça,
Liberdade e Igualdade” (não existia o Igualdade), o novo líder tinha ideias de
transformar a instituição em uma empresa do crime, que antes atuara
majoritariamente como um partido político dentro das prisões. A ideia de
irmandade, e de que a luta é contra o sistema e a sociedade, seria mais respeitada a
partir dali, sendo enraizada a “ética do crime”.
Em 2006, a facção se torna realmente conhecida por todos os
paulistas. Com o chamado “Levante”, o PCC aterrorizou principalmente a cidade
de São Paulo com ataques às instituições policiais. Um toque de recolher informal
foi instaurado e a guerra civil velada ocorreu de forma brutal. Os dados
oficiais indicaram 168 falecidos, mas dados do IML apontaram para 493 pessoas
mortas em 1 semana. Aponta-se que boa parte delas tenham sido execuções de civis na
periferia pela polícia, como forma de retaliação aos ataques. Esta opressão
policial saiu pela culatra, pois apenas exacerbou o caráter de justiça social
abarcado pela facção. Todo este período sangrento cessa após um suposto acordo
com o Governo de São Paulo, mas o estrago já estava feito, o PCC saia mais
forte do que nunca, dentro e fora das cadeias. O monopólio da violência, conceito de Max Weber, se torna um oligopólio, alternado entre Estado e Crime.
Lógica de funcionamento do PCC – De dentro das cadeias
para se criar um Estado Paralelo nas periferias da cidade
O Estado Paralelo
O sociólogo Gabriel Feltran aponta que na periferia de São
Paulo existam três principais instituições: religião, crime organizado e
Estado. Todas elas coexistem, sendo a última delas de menor atuação e poder.
Nesta lacuna deixada pelo Estado, o PCC cumpre seu papel, como um Estado
Paralelo. Desde fornecer uma alternativa de renda aos jovens, principalmente via tráfico de drogas, ao auxílio financeiro aos moradores e serviços gerais
(relatos apontam para serviços de encanador e eletricista).
Dentre suas atribuições, a que mais se destaca é o tribunal
criado pela facção para julgar crimes e solucionar conflitos. Buscar a polícia
não é a melhor opção, seja pela incapacidade da mesma em solucionar um
conflito ou pelo fato de que a polícia em local de comércio de drogas é ruim
para o Comando. É interessante notar, que a instituição jurídica formal, a
justiça das leis e tribunais, não é capaz de resolver os conflitos e em seu
lugar surge a justiça informal, sendo ela a “moral do crime”, que na ausência
do Estado os soluciona (muitas vezes de maneira violenta). Os conflitos
resolvidos, são desde brigas entre vizinhos, até situações de estupro. O Comando
que decide quem julgará, a depender da severidade do crime, e quem será entregue às autoridades, que irá para a prisão, escola do PCC.
A força do
PCC não decorre apenas da capacidade de governar o crime, mas também do apelo
de sua proposta: um mundo do crime pacificado, capaz de melhorar a vida de seus
integrantes, de seus familiares e moradores dos bairros em que atuam. A
obediência, nesse caso, não seria um simples processo imposto de cima para
baixo à custa de uma estrutura de punição – com debates dentro e fora das
prisões. O processo só funcionou porque o movimento veio de baixo para cima.
Obedecer a essas autoridades formadas em torno do PCC e colaborar com elas
passou a fazer sentido diante dos benefícios para quem vinha testemunhado
violências brutais e cotidianas. Como a polícia e os agentes penitenciários
seguiam incapazes de garantir a ordem e a lei nos bairros, o PCC foi se
consolidando como mal necessário. (MANSO; DIAS, 2018, p. 123)
O efeito PCC
O efeito no decréscimo dos assassinatos teria três
principais canais. O primeiro, assim como abordado em meu outro artigo, o
criminoso age racionalmente ponderando a probabilidade de punição, que é maior
com o PCC, do que com o Estado. O segundo, o efeito da proteção conferida às
comunidades, que transcende o limite das prisões e cria um ambiente de respeito
à organização (é proibido roubar na “quebrada”). O terceiro, fruto da maior
organização e monopólio do tráfico de drogas, evitando assim disputas acerca de
territórios.
Cartéis de drogas do México e Colômbia fazem uso de algo
semelhante, ajudando a população e atuando como tribunal. Mas é de se perguntar,
por que o Rio de Janeiro não passou o mesmo sob o domínio do Comando Vermelho? E
a resposta vem da estrutura. O Comando Vermelho possui uma maior predisposição à
violência em suas negociações e brigas internas, além de não manter uma
estrutura verticalizada de oferta de drogas (O PCC domina da oferta ao ponto
final de venda da droga, diminuindo as brigas internas).
Por mais que a etnografia traga relatos claros da atuação do
PCC como um regulador da criminalidade, provar estatisticamente esta relação de
causalidade é bem difícil. Os dados são escassos e é difícil provar em qual
região da cidade o PCC se tornou mais atuante. Com suas ressalvas estatísticas,
quem chegou mais perto foram os autores de “Pax Monopolista and Crime: the
case of the emergence of the primeiro comando da capital in São Paulo”, com
dados do Disque Denúncia que apontaram para uma queda de 7% na violência nos bairros
com maior presença da facção. Com as mesmas ressalvas, em minha dissertação, encontrei evidências de uma
redução de 25% nos homicídios em domicílios dos bairros com maior presença do
PCC. Ambos os resultados fazem sentido ao relacionarmos com literatura sobre o
tema, indicando que o crime organizado de fato impactou na queda dos homícidios.
É estranho dizer, mas melhor com eles, do que sem eles. O
crime organizado encontra na lacuna do Estado uma maneira de reduzir parte da criminalidade (engraçado). Como na maior parte dos textos eu digo, a economia é amoral.
Fontes
BIONDI, Karina. Proibido roubar na quebrada: território,
hierarquia e lei no PCC. São Paulo: Terceiro Nome, 2018. 417 p.
BIDERMAN,
Ciro; MELLO, João M. P. de; LIMA, Renato S. de; SCHNEIDER, Alexandre. Pax Monopolista and Crime: the case of the emergence of the primeiro comando da
capital in são paulo. Journal Of Quantitative Criminology, [S.L.], v. 35, n. 3,
p. 573-605, 16 nov. 2018. Springer Science and Business Media LLC. http://dx.doi.org/10.1007/s10940-018-9393-x.
GAMBETTA, Diego. Scilian Mafia: The Business of
Private Protection. Estados
Unidos: Harvard University Press, 1996. 346 p
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