O Bolsa Família: Deixar a Ideologia de Lado
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Programas de assistencialismo social, e mais especificamente de transferência condicional de renda, não são novidade em nenhum lugar do mundo. Países ao redor do globo contam com isso há muito tempo. No Brasil, o tema se tornou polêmico, após ter sido criado em 2003 o Programa Bolsa Família, fruto da união de outros quatro programas criados por Fernando Henrique Cardoso. Sendo ele usado como marketing de votos, foi utilizado de maneira populista por todos os governantes do PT desde então. Em 2021, de forma à acabar com a relação do programa com o Partido dos Trabalhadores, Bolsonaro inclusive o substituiu pelo Auxílio Brasil, o que durou pouco tempo, devido ao novo mandato de Lula. A ideia deste artigo é abrir os olhos do leitor para o que realmente é este programa, afastando o senso comum e a ideologia embarcada nele.
Comparativo entre Auxílio Brasil e Bolsa Família
Fonte: Bolsa Família deve injetar R$ 18 bi a mais na economia do que Auxílio (poder360.com.br)Mas afinal, o programa é ruim ou bom? Antes de mais nada, é preciso deixar de lado as ideologias, avaliar os números e o que isso representa para o país. Que os governos do PT utilizam do programa de maneira eleitoreira e como se eles tivessem salvado a vida de todos (assumindo os louros pela ideia do programa), isto não há discussão. Mas dizer que o benefício serve apenas para sustentar quem não quer trabalhar (o que já escutei muitas vezes), já não acho que seja uma verdade.
Um pouco de história
Algo que poucos sabem, mas as raízes do Bolsa Família são de um economista formado no MIT chamado José Márcio Camargo, hoje economista-chefe da Genial Investimentos. Ou seja, o primeiro ponto que já temos que desmitificar é dizer o programa foi idealizado por Lula em 2003. Camargo, que abordou o tema desde 1991 e em 2001 lançou o artigo que embasou o Bolsa Escola de FHC, trouxe uma das principais contribuições ao que chamamos de Bolsa Família hoje, quebrar o ciclo de pobreza. Ele constatou que a maioria das famílias dependiam da renda do trabalho dos filhos, e, portanto, não estavam na escola. A renda mínima e o PBF surge, portanto, como ele mesmo diz:
“A ideia do Bolsa Família é comprar o tempo da criança para que ela fique na escola. Nas famílias pobres, uma criança pode trazer até 30% do orçamento familiar, vendendo balas em semáforos, por exemplo. Então, entre deixar a criança na escola ou colocá-la para trabalhar, os pais preferem a segunda opção. O Bolsa Família paga o pai para deixar o filho na escola.” José Márcio Camargo em entrevista.
E se os pais deixarem de trabalhar para receber o benefício? Assim como ele também aponta, e eu concordo, isso não importa, visto que a produtividade desta pessoa é tão baixa (pela baixa escolaridade), a ponto que não prejudica o país o fato dela não trabalhar. O importante, é salvar o futuro, ou seja, a criança estar na escola e saudável. A economia não é a ciência do certo ou errado, ela até é um pouco amoral. É errado o pai ficar em casa e viver sob o auxílio do governo? Pode até ser. Mas o que isso importa? Muito pouco ou quase nada para o país. E o que os pais gastam importa? Também não. Seu padrão de consumo não se altera por conta do benefício.
São Paulo é o estado com maior número de beneficiários do programa, seguido por Bahia e Rio de Janeiro (números em milhares)
Fonte: Ministério da cidadania
Valores
Os valores pagos também me deixam com a pulga atrás da orelha se alguém realmente deixaria de trabalhar tão facilmente. Hoje o valor é de no mínimo R$600 por família, mas famílias com mais de 4 pessoas, recebem R$142 por cada integrante. Além disso, existe um adicional de R$150 por criança de até 6 anos de idade e um extra de R$50 para cada um entre 7 a 18 anos. No final, o valor médio fica próximo aos R$700 por família. Me parece que não é um valor que faça uma família parar de trabalhar. Se pegarmos o exemplo do estado de São Paulo, estado com maior número de beneficiários do programa, o valor não cobre a cesta básica da capital paulista, hoje em R$782,68.
Principais Condicionalidades para elegibilidade e manutenção do benefício
1. Renda: até R$218/pessoa da família
2. Saúde: acompanhamento do pré-natal e calendário nacional de vacinação
3. Nutrição: acompanhamento do estado nutricional de crianças menores de 7 anos
4. Educação: para crianças entre 4 e 5, frequência escolar mínima de 60%. Para crianças/jovens entre 6 e 18 anos, a frequência exigida é de 75%
Também diferente do senso comum, o programa possui sim exigências, que geram um retorno ao longo prazo. É verdade que não exige nenhuma contrapartida imediata de quem de fato recebe o benefício, mas sim em relação às crianças, ou seja, o futuro. Alguns apontam que tudo pode ser fraudado, o que é verdade, até mesmo nas Lojas Americanas teve fraude. Mas não acho que esse ponto seja tão expressivo. Em 2016, o TCU apontou para 163 mil famílias com inconsistências, de um total de quase R$14 milhões de famílias atendidas. Muito pouco.
Quando no almoço da família, os tios resolvem brigar por conta do Bolsa Família, me parece um pouco insensato. Isto porquê o programa custa cerca de 1,5% do PIB brasileiro e atinge cerca 30% da população brasileira. O valor gasto é muito baixo, para um retorno e disseminação relevante. Segundo estudo do IPEA, a cada R$1 gasto, cerca de R$1,78 retornam à economia, números muito bons. Isto ocorre, pois entre os mais pobres, boa parte de sua renda é convertida em consumo, o que gera impacto imediato sobre o PIB. Em um estudo feito entre 1995 e 2004, se constatou também uma queda na desigualdade e pobreza extrema, mesmo que esse não seja o foco do programa. Já em artigo de 2010, constatou-se um resultado significativo na área da educação, reduzindo a probabilidade de abstenção e abandono escolar. Ou seja, existem sim resultados positivos de sua implantação.
Com ajustes feitos ao longo de 2022 de aumento de renda mínima e número de famílias beneficiadas, o orçamento do Bolsa Família subiu consideravelmente
Fonte: Governo Federal
Não digo aqui que não existam problemas no programa, como o fato da renda ser autodeclarada (podendo incluir quem não deveria), mas os benefícios me parecem maiores do que os custos. Existem críticas sim sobre o desencorajamento da oferta de trabalho. Alguns dizem que por exemplo, a queda da oferta do trabalho de mães, foi puxada pelo avanço do Bolsa Família. Mas se isso significa o filho na escola, ou sendo melhor assessorado pela mãe, tudo certo, pois a ideia é garantir que o filho seja um chefe de família no futuro e longe da pobreza*. Temos que evitar a discussão ideológica acerca do programa, e principalmente evitar os rótulos de assistência de esquerda ou direita, até porque se pensarmos, não existe programa mais liberal do que dar dinheiro para pessoas decidirem o que querem fazer com ele (o que seria algo bem mais de direita do que esquerda). Em conclusão, o PBF é de extrema importância para um país que se preocupa em quebrar o ciclo da pobreza, sendo ele de baixo custo e que abrange a necessidade de se olhar o futuro e não o presente.
* Em 2021, o Estado de São Paulo apontou que cerca de 69% dos beneficiários de 2003 conseguiram sair do Bolsa Família.
Fontes
8
dados que mostram impacto do Bolsa Família, que chega ao fim após 18 anos - BBC
News Brasil
Radar_n25_Empreendedorismo.pdf
(ipea.gov.br)
cartilha_bolsa_familia.pdf
(www.gov.br)
TCU
encontra mais de 160 mil famílias com indícios de irregularidades no Bolsa
Família | Portal TCU
Custo
da cesta básica aumenta em 12 capitais pesquisadas pelo Dieese | Agência Brasil
(ebc.com.br)
Microsoft Word - 0610376_2008_cap_3.doc
(puc-rio.br)
A porta
de saída do Bolsa Família - Instituto Millenium
Dezoito anos depois, 69% acham a saída do Bolsa Família - Estadão (estadao.com.br)
“Efeitos
do Bolsa Família sobre a Oferta de Trabalho das Mães” (anpec.org.br)
O
impressionante avanço do Bolsa Família sobre o PIB nos últimos anos | VEJA
(abril.com.br)
Muito bom
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