O Mercado de Carros: um Reflexo da Economia
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O mercado automotivo pode nos
dizer muito sobre diversas esferas da economia. Os preços, dizem muito sobre o
processo produtivo e inflação. A produção, sobre a capacidade industrial de
nosso país. Os subsídios, sobre o nosso eterno governo protecionista, com
raízes no programa de substituição das importações de décadas atrás. E a
decisão de se comprar um carro, implica tanto nas preferências dos
consumidores, entre por exemplo, poupar e adquirir um bem, e em como esse
processo de compra se desenvolve. Por tudo isso, o mercado de carros me parece
uma excelente proxy da economia de cada país. Pensamos nos alemães como
excelentes industriais, devido às suas marcas como BMW e Mercedes; e pensamos nos italianos como elegantes, pela Ferrari e
Ducati. O Brasil julgamos por... (cri cri cri).
A motivação para escrever sobre o
assunto, surgiu após duas notícias recentes: o programa do “carro popular”
anunciado pelo governo e a suspensão de uma fábrica da Volkswagen. O governo
diz que o programa foi um sucesso, com as montadoras aproveitando R$650 milhões em
créditos. Em primeiro lugar, engraçado foi usar o termo “popular”, sendo que
até mesmo Jeep Renegade, de mais de R$100 mil, entrou na lista. Para
desencalhar os carros nos estoques, as montadoras ainda abaixaram os preços de
forma à entrar na faixa elegível ao benefício (o sistema é sempre burlável
haha), sendo que o grupo Fiat/Jeep foi o maior beneficiado do programa. Que eu
saiba, a Jeep não é muito “popular”. Segundo a Fenabrave, os carros mais
baratos da lista, Renault Kwid e Fiat Mobi, não ficaram nem no top 20 de
vendas e os veículos mais procurados foram SUVs.
Alguns outros efeitos da medida
ficam claros e falarei um pouco deles. De maneira momentânea, os preços de todos
os carros (de mesma faixa) caem, o que impacta a inflação para baixo, mas
lembro que de 100 para 90 são 10%, mas de 90 para 100, 11% (o efeito perverso
do “controle de preços”). Por um puro efeito estatístico, a inflação volta. Um
segundo efeito, são os balanços financeiros das empresas detentoras de carros.
O valor do estoque é depreciado, gerando assim um prejuízo nas linhas das DREs
e reduz assim os valores de arrecadação do governo. A Localiza inclusive
comentou o assunto, conforme fonte no final deste texto. E por fim, essa conta será paga por todos nós, sendo ela
apenas mais um subsídio para o mercado automotivo, que vem reclamando dos altos juros. E ao invés de incentivarmos a produtividade, usamos de
medidas imediatistas e de curto prazo, como sempre.
Sobre a produção e produtividade,
o mercado automobilístico sempre se escorou em medidas protecionistas. Até é de se entender os pedidos da indústria, visto que nosso país
possui uma alta carga tributária, a engessada CLT e arcabouço institucional
duvidável. O que é de se esperar em relação à isto? Produção estagnada e
seguidos subsídios governamentais. Mas claro, isto não é uma exclusividade da
produção de carros, e sim de todo um parque industrial ocioso e de baixa
produtividade.
Sobre a suspensão das fábricas da
Volkswagen, o efeito nada mais é do que a desaceleração econômica no Brasil,
altos preços e altas taxas de juros. Tudo isto culmina em uma menor demanda e
consequente aumento dos estoques. Lembro que esse problema parece não ser
sentido em carros de luxo, que ainda possuem filas para compras, como por
exemplo, os Porsches. Suspeito que este seja o efeito de uma poupança
reprimida, conectada à um produto que não possui alto volume de produção, agravada pela crise de oferta. No gráfico abaixo, apresento três carros de valores diferentes, demonstrando que o Porsche ainda segue bem acima do valor vendido como zero km em 2018.
Variação acumulada (base 100) desde Nov/2018* - É possível notar que os carros mais "populares" acompanharam a inflação ao longo deste tempo, enquanto o carro de luxo segue em valores bem acima da inflação no país. Um reflexo da poupança? Pode ser...
*Carros zero km em nov/2018 e sua evolução segundo a tabela Fipe
Fonte: Tabela Fipe
Número de Transações de Carros Usados por Mês - A queda em um primeiro instante após a pandemia, o consequente recorde ao final de 2020 e a normalização a partir do início de 2022. Indícios de que o pior da crise de oferta já passou.
Fonte: Fenabrave
Seguindo no assunto sobre a pandemia, como é possível observar no gráfico acima, as transações de carros usados atingiram seu recorde, com mais de 1 milhão de veículos comercializados. Este efeito, teve início em dois pontos, na falta de produção de carros novos, decorrente da falta de insumos; e da poupança acumulada pelas famílias, dado que os gastos foram reduzidos com a restrição de circulação durante os meses de 2020 (principalmente). Os preços, acompanharam este movimento, pela lógica da oferta e demanda. Menor oferta de carros novos em um primeiro momento, seguido de uma demanda reprimida pela circulação. Isto mostra que o esforço do Banco Central não foi em vão, mesmo quando a pressão se inicia em uma crise de oferta.
Fluxo de Poupança Financeira PF (Milhões de Reais) - Poupança das famílias em um primeiro momento reduziu o consumo, seguido de forte demanda após flexibilização de restrições
Fonte: Bacen, CVM, B3, Anbima
Taxa de poupança familiar por faixa de renda familiar per capita - Famílias com maior renda familiar possuem maiores taxas de poupança, gerando o efeito descrito nos mercados de carros de luxo
Gráfico retirado de Taxa de poupança das famílias: uma análise para Brasil e regiões (bcb.gov.br)
Fonte: POF (Ibge)
Uma curiosidade sobre o mercado de usados
O mercado de carros usados pode ser classificado como o Mercado de Limões, ou como a teoria diz, pela assimetria de informação. Apenas o lado do vendedor sabe a real condição do carro à venda e o comprador, pouco sabe. Isto gera o que chamamos de seleção adversa, quando os compradores reduzem o valor de compra, para não serem enganados e estarem comprando limões (carros ruins) ao invés de carros bons. O problema disto, é que vendedores de bons carros, não abaixarão seus preços a ponto de se igualarem aos vendedores de carros ruins (limões), ou seja, no fim só haverá carros ruins. A própria defesa do consumidor, lhe faz consumir carros piores do que gostaria. Com isso, surgem os intermediadores, que servem como garantidores de confiabilidade e informação, reduzindo assim o problema da seleção adversa, mas claro, com um certo custo. Lembro ainda que, isto não é exclusividade do mercado de carros e ocorre em outras áreas da economia, como em empréstimos, pela dificuldade do emprestador saber se do outro lado está um bom ou mal pagador.
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Por fim, a última esfera da economia que o mercado de carros nos traz, o comportamento do consumidor. O carro pode ser considerado não só meio de transporte, mas também fator de ascensão social. Quantas pessoas já não vimos com carros de luxo, mas devendo em bancos, ou até mesmo, como existe uma divergência de opinião se compararmos os interesses dos consumidores de cidade para cidade. Em Londres, por exemplo, se diz que quem tem carro (claro que não os de luxo) é porque não possui dinheiro para morar na região central, ou seja, seria até um fator social diminutivo. Em outros lugares no Brasil escutamos, "é sério que você não tem carro?". Não existe nada de errado entre um e outro, mas nitidamente temos algo enraizado e cultural no que tange o tema, nos permitindo extrapolar estes comportamentos para outros setores da economia.
Propagandas de 1961 e 1972 - O carro como fator de ascensão social
Este artigo passou por várias áreas, apresentando como o mercado de carros é uma proxy da economia de um país. Subsídios para montadoras, reflexo de um governo com foco no curto prazo, seguido de uma suspensão de produção, consequência de altos preços e desaceleração econômica. Os preços, reflexo da crise de oferta, seguido do excesso de demanda, e agora a equalização, efeito dos juros. E por fim, o comportamento do consumidor, muito particular de país para país, ou seja, de economia para economia. Não existe setor que possa representar tão bem uma sociedade quanto este.
Fontes
Localiza comenta a depreciação dos carros
Programa de carros populares
Jeep entra no programa de carros "populares", e preço do Renegade cai até R$ 19 mil - InfoMoney
Suspensão da produção de carros pela Volkswagen
Volkswagen
suspende temporariamente produção de carros no Brasil | Economia | G1
(globo.com)
Poupança das Famílias
Taxa de poupança das famílias: uma análise para Brasil e regiões (bcb.gov.br)
Mercado dos Limões e Seleção Adversa
The Market for "Lemons": Quality Uncertainty and the Market
Mechanism on JSTOR
O carro como fator social
A cultura do carro: o que ela diz sobre nós mesmos? | ArchDaily Brasil
Microsoft Word - Luchezi.doc (ucs.br)
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