Simplificando (Tentando) a Reforma Tributária


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A reforma tributária é conversada há 30 anos pela sociedade brasileira. Temer foi o que chegou mais perto no passado recente, mas escândalos em seu governo complicaram o avanço das reformas. Este ano, com um governo que surpreendentemente avançou em uma pauta tão importante, temos um primeiro esboço do que teremos pela frente. O mais engraçado nisso tudo, é que novamente a oposição faz oposição burra, votando contra a reforma, assim como ocorrido no Plano Real e na Reforma da Previdência (só muda o Partido). Este artigo pode ser até um pouco chato e muito difícil de ser simples, afinal o que tem de legal em pagar imposto e nem saber para onde o dinheiro vai? Mas se você ler até o final, e de fato achar muito chato, é a prova do quão importante é simplificarmos o mundo fiscal que vivemos.

Temos um sistema tributário complexo, com diferenças estaduais, regimes de exceções, e não conseguimos determinar ao certo qual o real valor de imposto incidente em um produto na linha final, dado que em muitas cadeias produtivas não se compensam os tributos, e a taxação incide sobre tributos passados. Além disso, temos a digitalização da economia, que nos faz perguntar o que é serviço e o que é produto no mundo digital. Ou seja, uma reforma será muito bem-vinda, visando a melhoria do ambiente para o desenvolvimento econômico. Segundo o relatório Doing Business 2019, uma empresa no Brasil gasta 1.958 horas para pagar impostos (absurdo), enquanto a média dos países é de 206 horas. É difícil de saber o que pagar, quando, qual alíquota, levando o empresário a desistir de abrir uma empresa ou ter a necessidade de arcar com áreas fiscais enormes, não se concentrando no que realmente importa.

Como funciona hoje?

Diferentes alíquotas, em diferentes Estados, em diferentes regimes, prejudicam o funcionamento da economia brasileira


Fonte: Governo Federal

Principais Pontos da Reforma

Unificação de Impostos e Alíquota Única

CBS à Unificação do PIS, COFINS e IPI

IBS à Unificação do ICMS e ISS

Inicialmente, a ideia da reforma tributária era de unificarmos todos os impostos em um só, o chamado Imposto sobre Bens e Serviços, ou IBS, como o IVA (Imposto de Valor Agregado) que existe em vários países do mundo. Mas já tivemos uma alteração com a adição do CBS (Contribuição de Bens e Serviços), que será atribuído à Federação, e o IBS aos Estados e Munícipios. Isto não me agrada tanto, visto que já começamos a dar um jeitinho brasileiro, complicando a simplificação proposta. Importante dizer, que ambas as alíquotas serão únicas para todos os bens e serviços, o que por exemplo, aumenta a carga tributária de parte do setor de serviços, área responsável por boa parcela de nosso PIB.

Fim da Guerra Fiscal entre Estados

Esta simplificação em CBS/IBS, em conjunto com a tributação no local do consumo (ao invés da origem) evitará a guerra fiscal entre os Estados, que concedem regimes diferentes de tributação para os impostos de sua responsabilidade, como o ICMS (governadores devem estar assustados). Por outro lado, será criado o Fundo de Desenvolvimento Regional, de forma à financiar projetos em Estados menos desenvolvidos, em contrapartida à perda da autonomia de alíquotas.

Não-Cumulatividade e Imposto Seletivo

Um ponto positivo, vem da não-cumulatividade. Ou seja, os impostos não incidirão em cascata e poderão ser aproveitados entre si, diferente de hoje, que temos diferentes sistemas, a depender do imposto. Mas nem só de pontos positivos vivemos. Teremos também o imposto seletivo (produtos prejudiciais à saúde ou meio ambiente) e isenções. Bebidas e cigarros terão tarifas mais altas, e inclusive a energia elétrica entrou nessa discussão, visto que termelétricas poluem o meio ambiente. Imunidade tributária para igrejas seguirá valendo, além de outras atividades.

ITCMD

Para o ITCMD, a alíquota agora será progressiva, conforme o montante da transferência. Hoje os Estados escolhem suas alíquotas, com o teto de 8%. No caso do Estado de São Paulo, hoje temos 4%, como exemplo. O atual sistema, impulsiona a guerra fiscal entre os Estados, que será extinta com a Reforma Tributária.

Provável Alíquota

Estudo do IPEA, apontou que teríamos uma provável alíquota de 28,04% de IBS/CBS. Isto representa uma das maiores alíquotas do mundo, impulsionada principalmente pelas diversas exceções. Fernando Haddad questionou o número, sem apresentar nenhuma análise matemática contrária. De qualquer forma, mesmo com o alto valor, o mesmo estudo aponta para um aumento do crescimento econômico em virtude da simplificação dos impostos e dos pontos abordados acima. Ou seja, a reforma tributária é sim positiva e importante, mas não resolve alguns problemas.

Resolver o problema da regressividade da taxação do consumo é algo essencial, onde os mais pobres arcam com mais impostos, isto porque todos pagamos a mesma alíquota. Foi apresentada a proposta de cashback inicialmente (devolução do tributo para famílias de baixa renda) e desoneração da cesta básica. O primeiro parece interessante, mas os estudos não indicam que a desoneração de fato ajude. Uma segunda etapa da reforma, promete ainda endereçar assuntos polêmicos como a tributação de dividendos, de cunho mais progressivo.

Conclusões e Preocupações

O que mais me preocupa são as exceções à regra. Sabemos muito bem o quanto nosso Estado é permissivo e o quanto os lobbies privados fazem frente aos interesses nacionais. Portanto, é importante dosar esse remédio dos subsídios e desoneração, senão nada mudará e ainda teremos diferentes alíquotas para cada setor/produto. E minha segunda preocupação, vem da regressividade dos impostos, que ao termos ainda uma alíquota fixa, os mais pobres seguirão arcando com maior parte em proporcionalidade à sua renda. O cashback parece uma boa ideia (que ainda será definido por lei complementar), mas suspeito que isso apenas aumentará a carga tributária da economia como um todo (ou seja, pode não ser tão benéfico assim), afinal, o governo não reduzirá gastos para pagar esta conta.

Mesmo com as preocupações, é importante destacar que a simplificação tem um potencial enorme de impulsionar a atividade e reduzir as brigas judiciais acerca de impostos. A proposta deve ser encarada de maneira positiva pela sociedade civil. É bom para todos, desde que o capitalismo de laços não prejudique o futuro do país. E claro, pagar mais imposto não necessariamente é ruim, mas o dinheiro precisa voltar. Por fim, temos tempo ainda, afinal a proposta deve valer apenas a partir de 2026, e todos os pontos serão concluídos apenas em 2078.

Fontes

Pequenos serviços movimentam a economia, mas serão os mais prejudicados pela Reforma Tributária (fecomercio.com.br)

ICMS: saiba o que é feito a partir dos recursos arrecadados | Governo do Estado de São Paulo (saopaulo.sp.gov.br)

230706_cc_60_nota_01_reforma_tributaria.pdf (ipea.gov.br)

Reforma tributária: o que está em discussão (camara.leg.br)

Reforma tributária será implementada gradualmente e deve ser concluída em 2033 (cnnbrasil.com.br)

O que vai mudar com a reforma tributária? Veja os principais pontos da proposta | Exame

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