A evolução da mulher no mercado de trabalho

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Semana conturbada de um lado do mundo, mas feliz de outro com a entrega do prêmio Nobel de Economia. O prêmio, que é a Copa do Mundo da economia, concedeu à Claudia Goldin a honra de ser escolhida este ano. Sua escolha foi devida aos estudos conduzidos sobre a mulher no mercado de trabalho, desde a história da participação feminina nos empregos até a avaliação das causas das disparidades de ganhos entre homens e mulheres, que vão muito além da discriminação. Suas principais descobertas, que serão elencadas abaixo, nos ajudam a compreender melhor tudo o que envolve o tema, e mesmo não fazendo nenhuma recomendação normativa, nos mostra que políticas públicas devem ser muito bem feitas para reduzir as diferenças salariais e não como nosso querido governo gosta de fazer, forçando os salários serem iguais via lei. Além disso, nos mostra que precisamos olhar o histórico para explicar o presente e traz gráficos muito interessantes que mostram a evolução do tema ao longo dos anos.

Participação feminina na força de trabalho em U

O senso comum acreditava até então que a participação da mulher no mercado de trabalho teria sido uma crescente linear ao longo do tempo. Remontando dados históricos e aproveitando de uma pesquisa qualitativa, Claudia criou uma série de dados desde 1700, apresentando um comportamento diferente da participação feminina. A curva de mulheres que trabalhavam seria, portanto, decrescente até o ano de 1890 e em seguida crescente, ou seja, em formato de U. A tarefa não foi fácil, visto que um dos problemas encontrados foram os censos anteriores à 1940, nos quais muitas vezes a mulher era destacada apenas como “esposa” nos dados (o que a faria não ser considerada trabalhadora, uma subnotificação), mas na verdade ela trabalhava em atividades rurais ou auxiliando os maridos que possuíam pequenos negócios.

Fonte: Prêmio Nobel de Economia

 

Fonte: Prêmio Nobel de Economia

Seguindo na explicação, com o avanço da industrialização no século 19, a mulher deixou de fazer parte da força de trabalho, passando a ser cada vez mais dona do lar, atingindo o menor nível ao redor do ano de 1890. A partir dali alguns pontos aumentaram a participação feminina até os dias de hoje, sendo eles:

1)   Maior acesso à educação;

2)   Mudança de expectativas em relação ao mercado de trabalho;

3)   Avanço tecnológico mudando a natureza do trabalho de braçal para intelectual;

4)   Pílula contraceptiva, permitindo um maior investimento em educação e casamentos mais tardios;

5)   Avanço de trabalhos de colarinho branco (escritório);

6)   Mudança da norma social da mulher não ser mais a única cuidadora do lar e dos filhos, e sim de haver uma divisão das tarefas com o homem, dentro e fora de casa.

Corroborando com os pontos acima, é possível notar, que mulheres nascidas em diferentes momentos, possuem distintas taxas e evolução de participação na força de trabalho – mudança de expectativas e normas corroboraram para o avanço. Como exemplo, nascidas após 1900, as mulheres passaram a trabalhar mais após o crescimento dos filhos, como pode-se notar em uma maior participação com idades mais avançadas.

Fonte: Prêmio Nobel de Economia

Diferenças de ganhos

O segundo ponto abordado por ela ao longo de sua carreira, vem do gap de rendimentos. No gráfico abaixo e no início da série, é possível notar que a diferença de ganhos entre homens e mulheres reduziu de maneira mais significativa ao longo da Revolução Industrial (1820 – 50) e no aumento do trabalho do colarinho branco (1890 – 1930). E contrário ao senso comum, a principal razão apontada pela autora vem do aumento de novas oportunidades para mulheres, antes mesmo dos movimentos sociais a favor da igualdade salarial. Não que os movimentos não sejam importantes, e tiveram sim seu papel, mas as oportunidades se sobressaíram como causa.

Fonte: Prêmio Nobel de Economia

Fonte: Prêmio Nobel de Economia

Outro ponto destacado, vem da relativa demora para que a diferença salarial reduza a partir de 1930 até 1980, mesmo com os avanços sociais, do aumento da participação e da educação feminina. A partir de 1980 muitas coisas mudam e a diferença de ganhos novamente se reduz, mas dessa vez por outra razão, a educação. A partir desta época, a mulher passa a investir mais em educação, inclusive passando os homens em presença nas escolas e graduação. Em economia chamamos isto de aumento do “capital humano”.

Para Claudia, a origem da diferença também é objeto de estudo ao longo de todo o períod. No passado (final do século 19), as mulheres trabalhavam em fábricas e empregos menos qualificados (e por isso recebiam menos que os homens), mas a discriminação era menor (leia discriminação, como a diferença de salário vs a produtividade), visto que boa parte das fábricas pagavam por peça produzida, ou seja, menor espaço para discriminação por gênero. Ao avançarmos para trabalhos de escritório, a discriminação aparece mais, pois a produtividade passa a ser bem menos evidente vs o salário. Ou seja, isto mostra que no passado as diferenças de ganhos, se traduziam muito mais nas diferenças de postos de trabalho e educação, mas com o passar do tempo isto muda, e as diferenças se apresentam nos mesmos postos de trabalho e com mais educação.

 

 Fonte: Prêmio Nobel de Economia

O grande salto

A grande mudança de capital humano feminino a partir de 1980 teve origem em dois principais fatores, a mudança das expectativas e a pílula contraceptiva. Tanto homens, quanto mulheres escolhem o quanto investir em educação quando jovens. Avaliam portanto, além das restrições orçamentárias, qual o benefício futuro e as normas sociais. No caso das mulheres, as normas sociais envolvem, por exemplo, o matrimônio. A ganhadora do Nobel chama esse período de “quiet revolution”, no qual neste momento as mulheres olham o futuro com outros olhos, onde o investimento na educação compensa. O segundo fator, vem da pílula contraceptiva, criada em 1960. Com esta grande invenção, a mulher passa a controlar sua fertilidade. Com isso, cria-se um incentivo “quieto” para investimento em educação e carreira, aumentando a oferta de mulheres no mercado de trabalho, e reduzindo a idade média do casamento e do primeiro filho (visto que muitas mulheres deixavam o mercado de trabalho ao serem mães ou casarem no passado).

E por que o gap de ganhos parou de diminuir desde 1990?

A partir de 1990 a taxa de decréscimo da diferença diminuiu significativamente e hoje parece que atingimos um platô na diferença, com poucas mudanças ao longo dos anos 2000. A média da OCDE atingiu 13% em 2020, enquanto os EUA apresentaram 18% de diferença. Claudia aponta para dois fatores responsáveis por manter este número ainda longe da igualdade. O primeiro deles vem da maternidade. Estudos indicam que o gap aumenta significativamente após o nascimento do primeiro filho, assim como existe uma queda no número de horas trabalhadas pelas mulheres. A resposta para isto vem da necessidade de flexibilidade da mulher em atender o filho, ou a falta de flexibilidade dos locais de trabalho, sendo este o segundo fator. A necessidade de flexibilidade faz com que mulheres permaneçam em posições menos vantajosas e com menor possibilidade de promoções, além da impossibilidade de estarem disponíveis 24/7 pela razão da maternidade. Ou seja, quem estiver disponível à trabalhar mais horas (mesmo aquelas fora do ambiente de trabalho), terá uma maior remuneração, neste caso a mulher sai prejudicada.

Conclusão

Em primeiro lugar, os estudos de Claudia foram desenvolvidos nos EUA, portanto precisamos ter parcimônia ao aplicá-los para o resto do mundo, mas nos trazem reflexões. Como observado, todo o trabalho girou em torno de alguns fatores: o papel da família, filhos e a natureza do trabalho. Oportunidades surgiram ao longo do tempo para mulheres, como na revolução industrial e no avanço da natureza do trabalho. A educação se mostrou de importância ímpar para o desenvolvimento feminino, ultrapassando em escolaridade os homens, e mesmo assim as diferenças de ganhos permanecem. Não mais por diferenças de empregos, e sim dentro das mesmas posições. A causa da maternidade é complicada de ser resolvida é verdade, afinal, a solução ideal seria não ser mãe, mas deixa a pulga atrás da orelha, de que uma maior flexibilidade dos trabalhos possa melhorar este cenário.

Fontes

Prêmio Nobel de Economia

advanced-economicsciencesprize2023.pdf (nobelprize.org)

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